
Não dá para ser designer e ser escroto.
Desde que comecei a estudar UX, vejo a tendência de direcionar foco e energia no desenvolvimento e domínio de habilidades técnicas. Quando nossa autocritica lança a pergunta: “No que você melhorou nos últimos meses?” apontamos para nossa mensuração de testes do usuário, ou quanto melhoramos uma UI. Raramente investimos o tempo apurando nossas soft skills.
Descendo do mercado publicitário e certamente carrego essa culpa e estou escrevendo este artigo até como como um lembrete para mim mesmo; gastar menos tempo na frente da tela e mais tempo desenvolvendo as habilidades interpessoais tão importantes.
Tirei essa lista resumindo a lição de um curso de UX, quando indaguei ao professor se essas não seriam habilidades inatas de cada um:
1. Feedback
Passar um feedback construtivo e responder feedbacks destruidores é uma habilidade primordial que pode ser bem desconfortável para vários designers.
Por exemplo, a falta de domínio das habilidades básicas de feedback leva clientes a passarem feedbacks vagos e inúteis, como “da pra fazer isso pular?”
Para fornecer um feedback efetivo, precisamos ser claros e específicos: “As imagens da nossa página de vagas não representam bem nossa cultura. Vamos mostrar uma vibe lúdica e descontraída para nos conectarmos melhor com os candidatos que esperamos atrair” é um feedback mais útil do que “faz pular”.
Quando se trata de receber feedback, é importante definir exatamente sobre o que queremos feedback. Devemos também ter a mente aberta para o feedback que vier e termos coragem de pedir esclarecimentos e contextualizações de informações vagas.
2. Escuta ativa
Escuta ativa é focar na outra pessoa e não dar atenção aos pensamentos, opiniões ou ideias que vão aparecendo na cabeça.
Essa habilidade é eficaz ao entrevistar clientes, falar com colegas ou obter informações sobre um problema de usabilidade de um cliente.
A escuta ativa não beneficia só acarreira de design – ajuda em amizades, entrevistas, relacionamentos ou qualquer coisa que envolva a comunicação com as pessoas.
O professor do curso que me passou essa lição enviou um artigo da Forbes com os 10 passos para uma escuta eficaz. Em suma, estas são minhas partes favoritas:
Mantenha contato visual
Tente imaginar o que o orador está dizendo
Não interrompa e não de “soluções”
Espere uma pausa para fazer perguntas de esclarecimento
Faça perguntas apenas para garantir sua compreensão
Dê feedbacks regulares ao locutor (verbal ou não verbal)
3. Mente aberta
O UI e o UX é pura criatividade para encontrar soluções inovadoras para problemas vigentes. Mantendo uma mente aberta, ficamos mais receptivos a soluções potenciais e métodos alternativos de nos dirigirmos ao problema.
À primeira vista, nem todas ideias parecem viáveis ou dignas de se investir, mas lembre que nosso trabalho é explorar todas soluções em potencial para resolver problemas.
Se não tivessem mente-aberta ao ouviram as frustrações com os táxis, nunca teriam fundado o Uber. A ideia de pedir carona em carros de estranhos não parecia ter futuro – mas ter a mente-aberta permitiu ver uma solução até o fim.
4. Empatia
Empatia é a palavra da moda, muito utilizada no espaço do design digital, mas em termos simples, significa se colocar no lugar do usuário.
Como já mencionei, a escuta ativa é uma ótima ferramenta para desenvolver empatia. Se pudermos entender completamente as dores de alguém, então podemos nos colocar no lugar dessa pessoa e sentir o que ela está sentindo.
Também podemos desenvolver empatia sendo bons observadores. Ao ver pessoas cometendo os mesmos erros ou encontrando os mesmos problemas, podemos desenvolver soluções com nossos produtos.
Ressalto que não precisamos estar pessoalmente com alguém para fazer isso. Usando mapas de calor, analytics, pesquisas, testes de usuários e assim por diante, podemos observar padrões e juntar ideias sobre nossos usuários.
Imagine clientes que ligam continuamente para um help desk perguntando como adicionar um novo usuário. Com uma observação assim, podemos entender uma frustração e abordá-la por meio do design.
Sendo humilde, perguntando e observando quem interagem com nosso produto, podemos desenvolver empatia pelo usuário e criar soluções para suas dores.
5. Qualquer Comunicação é um projeto de UX
Ao enviamos um e-mail, whatsapp, comentário até cartas para um amigo, cliente ou usuário, é uma boa habilidade se comunicar de uma forma que requeira o menor trabalho possível da pessoa do outro lado.
Tornar cada comunicação uma experiência perfeita para as pessoas com quem lidamos tornará o trabalho mais agradável e aumentará sua credibilidade como UX designer.
Em vez de enviar mensagens que exigem do receptor, como “Tenho certeza de que existe um produto que podemos usar”, facilite com algo como “Fiz algumas pesquisas e encontrei x e y que poderia resolver nosso problema.” Investir uns minutinhos extras na mensagem pode fazer uma diferença drástica na experiência que outras pessoas têm ao trabalhar conosco.
6. Esqueça o ego
Adoramos quando nos elogiam, isso é da natureza humana. Mas também é uma boa habilidade ser capaz de nos separar (e nossos egos) de nosso trabalho de design.
Ao conduzir o feedback, é mais útil focar oque precisa de melhoria do que buscar elogios sobre o que o usuário gostou. Pergunte às pessoas o que elas mudariam em vez de buscar reconhecimento pelo que já está correto.
Quando receber um feedback com o qual você disconcorda, não fique na defensiva, mas pergunte o que eles mudariam ou como o imaginaram.
A capacidade de não se sentir pessoalmente atingido por comentários negativos sobre nosso design não é uma característica fácil de se ter, mas é uma habilidade crucial.
7. Apresentação
Apresentar nossos projetos e soluções é uma parte fundamental do trabalho, por isso é útil poder fazer isso de forma eficaz.
Preparar os principais pontos e apresentar de um jeito compreensível para o nosso público irá torná-los mais receptivos às nossas ideias.
Uma ótima ferramenta para apresentar conceitos técnicos, complexos ou confusos é usar analogias. Por exemplo, dizer: “Está rodando na internet que nem bola de praia em show de rock” é mais divertido do que dizer “nossa postagem é muito popular”.
Precisamos estar preparados para justificar nosso trabalho. Quando fazemos mudanças drásticas em um design ou temos uma nova ideia para compartilhar, é sempre útil ter alguns tópicos preparados para defender nossas decisões e explicar por que tomamos aquelas decisões.
8. Autodidática
Um autodidata é alguém que se ensina, com força de vontade para impulsionar o seu sucesso. UI e UX não são setores que dependem de diplomas ou credenciais sofisticados – o sucesso é baseado na ética e consistência de trabalho. Ser um autodidata é uma habilidade essencial porque todos no espaço de design, em algum momento, encontram problemas, jargões, programas etc que eles não entendem.
Quando esse desafio inevitável aparece, não da para voltar para a escola e aprender e não podemos contar com colegas de trabalho o tempo todo. Tendo as habilidades e força de vontade para descobrir as coisas por conta própria, é possível crescer notavelmente.
A internet está aí, não há desculpa para não se aprender tudo o que se quiser saber sobre UI e UX. Está tudo bem na nossa frente, mas só com autodisciplina se aproveita isso. Nem preciso ir muito longe para explicar, você está fazendo isso agora;).
9. Entender o valor de negócio
Uma luta constante que os designers enfrentam é encontrar o meio-termo entre a satisfazer necessidades de negócios e as necessidades do usuário. Um designer que entenda como trazer valor ao negócio continuamente enquanto também advoga pelo usuário é um prêmio para qualquer empresa.
É uma habilidade crucial entender o modelo de negócio e saber avaliar como podemos fazer nossa parte para encorajar o seu crescimento.
Ser capaz de atender às necessidades de negócios e como as tratamos em nossos projetos é um componente que muitos designers não dão importância. Falamos com muita paixão sobre o usuário e nossos designs, mas não devemos deixar de mencionar nosso impacto nos negócios.
10. Adaptabilidade
Não é segredo que os mundos digital e real evoluem constantemente. É vital que os designers se familiarizem com as tecnologias novas, produtos tendências e assim vai.
Não só corremos o risco de sermos substituídos, mas também arriscamos perder oportunidades de melhorar nossa experiencia de produto.
Ser adaptável e ter iniciativa de aprender sobre tecnologias disruptivas vai nos colocar à frente da média e assegurar que ainda temos trabalho, não importa as mudanças que o mercado venha a tomar.
Se você chegou até aqui, pode estar se perguntando se estas não são habilidade que nossos pais podem nos ensinar e seria necessário dar essa atenção toda depois da idade adulta. Quis voltar ao design depois de empreender em outros mercados justamente porque vi que estavam em voga termos como ‘empatia’, ‘escuta’ e ‘aprendizado’ junto ao usuário.
Como sou advindo do mercado publicitário, passei por ambientes que praticavam uma comunicação de mão-única e que nunca precisaram se atentar a esses aspectos. Por isso, esses ambientes criaram profissionais que prezam demasiadamente por aspectos técnicos e que acabam deixando para segundo plano destrezas de natureza tão humana.
Antes, reinava o culto à técnica e ao ego, mas hoje, a comunicação tem responsabilidade e é uma via de mão dupla: o que você faz tem consequências. Por isso concluo que hoje, não da para ser designer e ser escroto.